Discussões acerca de indicadores de setores como saúde, ensino, ocupação, disparidade e ecossistema farão parte do Tríplice Fórum Internacional de Governança do Sul Global, na urbe de Fortaleza (CE), nos dias 11 e 13 de junho.
O encontro está sendo promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em colaboração com o governo cearense e com o respaldo do Programa das Nações Unidas para o Progresso (Pnud).
Está agendada a presença de mais de 100 palestrantes nacionais e estrangeiros, que discutirão novos indicadores acerca do Sul Global na “era virtual”. Representantes de ao menos 30 nações já confirmaram presença no encontro. As inscrições, que são gratuitas, estão disponíveis até o dia 8 (Inscreva-se aqui).
Neste mês em que o IBGE celebrou 89 anos, o dirigente do instituto, Marcio Pochmann, acredita que será uma oportunidade de compartilhar experiências que deverão interessar a aprendizes de diversas áreas e graus de instrução.
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Em conversa com a Agência Brasil, Pochmann ressaltou que existem desafios relevantes que nações em desenvolvimento encaram a respeito da autonomia dos dados. Confira a seguir a entrevista:
Agência Brasil - O IBGE está diante de um desafio tão considerável do ponto de vista da administração dos dados como foi no período em que foi estabelecido, no século passado?
Marcio Pochmann - Nós partimos de uma base sólida. Estamos falando de um órgão que possui perto de 11 mil colaboradores. É um dos maiores institutos de pesquisa, estatística e geografia do mundo, inclusive. É uma referência mundial, um órgão que conta com 566 filiais distribuídas. Não há outra instituição no Brasil com essa abrangência. São 27 superintendências.
O IBGE é confiável e é uma das poucas instituições que adentra nos lares dos brasileiros. Há o sigilo estatístico. As informações não são repassadas a terceiros porque trabalhamos em prol da coletividade. Não da individualidade. Isso já é uma base sólida que nos permite avançar para um desafio que me parece mais premente, que é a unificação dos diversos bancos de dados do país.
O IBGE atua como o grande coordenador do Sistema Nacional geoespacial, que nos possibilitaria integrar dados da saúde, como o DataSus, informações tributárias e também dos beneficiários de programas sociais, o CADúnico.
O Brasil possui uma vastidão de informações, de dados, mas estes não estão interligados. E o IBGE pode, então, realizar essa integração e nos forneceria mais subsídios para quem toma decisões, seja no setor privado, seja o prefeito, o governador, o presidente. Vivemos também um período de concorrência. Atualmente temos empresas estrangeiras que utilizam as informações fornecidas nas redes sociais para obter acesso mais rápido aos dados dos brasileiros do que o próprio IBGE.
Esse é um ponto crucial sobre a soberania dos dados. É preocupante um país que não detém a soberania de seus próprios dados, que tem empresas estrangeiras com mais informações do que aquelas do próprio país.
Agência Brasil - Esse não é um desafio unicamente brasileiro. No evento em Fortaleza, a intenção também é abordar essas questões?
Márcio Pochmann - Este é um destaque essencial do ponto de vista do protagonismo que o IBGE está conquistando no cenário internacional. Neste ano, O IBGE foi eleito pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas para fazer parte da elite do Sistema Estatístico mundial.
Ao mesmo tempo, o IBGE está liderando a coordenação dos institutos de estatística em diferentes agrupamentos de países. No ano passado, coordenou o agrupamento de nações do G20, debatendo questões metodológicas relacionadas, por exemplo, às pessoas em situação de rua.
O Brasil lidera atualmente o Brics [grupo composto por 11 países] e também o grupo de países do Mercosul. Neste sentido, o IBGE está reunindo os institutos nacionais de estatística, representantes dos sistemas dos países do Brics, daqueles de língua portuguesa e também do Mercosul.
Vivenciamos um período excepcional no mundo, com a mudança do centro dinâmico do Ocidente para o Oriente e do Norte para o Sul.
O Brasil está desempenhando um papel ativo em levantar discussões sobre as particularidades do Sul global no que diz respeito a temas como disparidade.
Observa-se a partir do Sul global, que engloba nações dotadas de áreas florestais.
Atualmente, há uma realidade na qual os direitos trabalhistas, o pagamento, o reconhecimento são destinados somente aos que laboram fora do lar. Já aqueles que ficam em casa não são reconhecidos.
Essa é uma situação comum em muitos países do Sul global. Portanto, são questões que estamos trazendo à tona, as oportunidades de emprego na era virtual, especialmente para os jovens.
Agência Brasil - O encontro apresentará representantes de 30 países. Existem áreas prioritárias em discussão?
Marcio Pochmann - Abordaremos pelo menos 35 tópicos amplos. E é um convite para a juventude brasileira se engajar nesses assuntos. O evento contará com a presença de pesquisadores, estudiosos, gestores.
Talvez seja o maior evento realizado até o momento no âmbito do Sul global. Por essa razão, o IBGE divulgou um mapa inverso que gerou debate no Brasil.
Trata-se de um mapa no qual o Brasil está no centro do mundo e não na parte inferior do planeta. Atualmente, o Brasil possui um protagonismo que, talvez no passado, não tivesse. Porém, esse protagonismo deve ser acompanhado de responsabilidade, sob a perspectiva do encaminhamento de questões cruciais para a humanidade.
Agência Brasil - Portanto, o encontro abordará esses desafios compartilhados?
Marcio Pochmann - Teremos uma quantidade significativa de pesquisadores e gestores oriundos de um conjunto equivalente a 30 países. É uma convergência para pensar o mundo a partir do Sul global, da nossa realidade em mudança, de temas como a diminuição na taxa de natalidade e do crescimento populacional mais lento.
Contemplamos as questões ambientais, as relacionadas ao planejamento urbano, aspectos ligados à juventude, ao emprego, às oportunidades de acesso à educação.
Trata-se de uma agenda extensa, porém de interesse nacional, inclusive para os jovens matriculados no ensino médio, superior ou na pós-graduação.
Mas também gestores municipais e brasileiros vinculados ao setor privado. É um encontro que marcará época, uma vez que estamos pensando para além do Brasil, em virtude da realidade, da dinâmica do Sul global, que atualmente responde por mais de 70% do crescimento do mundo.
Agência Brasil - Por que é relevante essa integração de dados entre os países?
Marcio Pochmann - Na reunião dos Brics em Cazã (Rússia), no fim do ano passado, foi estabelecido um documento que regulamentou a questão estatística.
Os Brics precisam, na verdade, ser grandes referências em indicadores. Estamos autorizados, nesse sentido, a aprofundar a temática dos indicadores de dados. Mas também na integração metodológica, que possibilitaria certa uniformidade nas informações.
Por vezes, ter uma informação importante para o país, mas sem possibilidade de comparação com outros países, não é benéfico.
Agência Brasil - A preocupação que o senhor tem manifestado, sobre a necessidade da soberania dos dados, também é uma inquietação do Sul global?
Marcio Pochmann - Estamos abordando nações que têm disposição em apresentar alternativas ao modelo atualmente vigente nos Estados Unidos.
É um modelo eficaz do ponto de vista da comunicação do acesso à informação. Nos EUA, há uma legislação que obriga as grandes empresas, conhecidas como big techs, a disponibilizar seus dados sempre que demandado pelo Departamento de Estado.
O IBGE, por exemplo, está transferindo seus bancos de dados para o Serpro, que é uma empresa pública e nacional. Essa preocupação, evidentemente, com a soberania, interessa ao Brasil, mas está ligada aos outros países que não dispõem dessas empresas, dependem de empresas estrangeiras.
Agência Brasil - Quanto menos acesso a essa soberania de dados, mais vulnerável a sociedade se torna, correto?
Marcio Pochmann - Exatamente, pois perde-se o controle da informação. Pessoas de fora possuem mais informações sobre a realidade brasileira. Existem empresas que possuem fotos e vídeos de nossas cidades.
No início do século 20, a preocupação era com a soberania econômica. Agora, a questão é a soberania de dados. Isso se tornou extremamente crucial.
Agência Brasil - O senhor poderia falar também sobre o que podemos extrair de outras experiências?
Marcio Pochmann - Possuímos uma experiência avançada aqui na América Latina. A Colômbia, por exemplo, possui um centro relevante de produção de dados com metodologias inovadoras. Temos a experiência da China, por exemplo, que tem realizado pesquisas muito pertinentes no contexto da chamada economia digital.
Já não se pergunta se a pessoa trabalha ou não. Pergunta-se se ela leva renda para casa. Esse tipo de inovação metodológica, tecnológica, é crucial para aprimorar a pesquisa do IBGE.
Agência Brasil - E os dados representam recursos e participação efetiva da comunidade com a gestão pública, certo?
Marcio Pochmann - Sem dúvida alguma. Nosso papel também é reduzir custos e despesas para conduzir essas pesquisas. Por exemplo, o IBGE é responsável pela elaboração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse indicador é produzido por cerca de 2 mil pessoas, presentes em dez regiões metropolitanas.
É um trabalho meticuloso, técnico e essencial. Nesse sentido, estamos avançando em pesquisas experimentais, passando a adotar preços de nota fiscal eletrônica.
Agência Brasil - As discussões desse evento em Fortaleza servirão de base para as reuniões dos Brics, no Rio de Janeiro [6 e 7 de julho]? E também para a COP30, em novembro [em Belém], correto?
Marcio Pochmann - O Fórum desempenha o papel de fornecer subsídios que possam, de fato, ser avaliados pelos chefes de Estado em suas declarações. E também de gerar contribuições para a COP, um evento essencial que discutirá a temática climática.
Fonte: Agência Brasil
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